Fofoca ou Babaleia?

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Segredos das Encadernações Medievais: Peles de Foca

Na Europa medieval, a encadernação de livros era uma arte que utilizava materiais variados, e um dos mais surpreendentes foi a pele de foca. Recentemente, uma análise de DNA antigo revelou que essas peles vieram do Atlântico Noroeste, onde as focas eram caçadas nos séculos XII e XIII, e posteriormente comercializadas pelos noruegueses, descendentes dos vikings, que usavam esses materiais como capas para livros.

A pesquisa, publicada na Royal Society Open Science, analisou 32 livros medievais em um estudo que envolveu a biocodicologia, uma série de métodos que revelam informações biológicas preservadas em livros do estilo códice. Os códices medievais eram tradicionalmente feitos de pergaminho, que é uma pele animal, e eram encadernados em madeira, couro, corda ou fio. Alguns deles foram protegidos por uma capa adicional, chamada chemise, que frequentemente era feita de pele de javali ou cervo.

Neste estudo em particular, os pesquisadores concentraram-se na Biblioteca da Abadia de Clairvaux, na França, que abriga 1.450 livros medievais. Ao analisarem 19 livros criados entre 1140 e 1275, eles utilizaram espectrometria de massa e análise de DNA antigo para descobrir que as encadernações eram feitas de pele de pinnípedes — a família que inclui as focas.

Além desses, foram identificados mais 13 livros de ‘pelagem’ de abbeys filhas na França, Inglaterra e Bélgica, datados entre 1150 e 1250, que também foram encadernados em pele de foca. A análise de DNA antigo permitiu aos pesquisadores identificar as espécies específicas de foca utilizadas, como a foca-comum, a foca-arpa e a foca-de-bigode. Surpreendentemente, as peles vieram de uma área geográfica diversificada, que incluía Escandinávia, Dinamarca, Escócia e Groenlândia ou Islândia.

Os pesquisadores sugerem que essas peles eram obtidas por comércio ou como parte do dízimo da igreja. É improvável que essas encadernações pudessem existir sem a disponibilidade de peles de focas de fontes nórdicas. Todos os livros encadernados em pele de foca foram feitos em abadias localizadas ao longo das rotas comerciais conhecidas do século XIII, que também eram rotas de comércio nórdico.

Os Cistercienses, uma ordem religiosa católica, tinham uma preferência particular por formas discretas de luxo, que combinavam bem com as qualidades estéticas das peles de foca. Em contraste, os beneditinos preferiam tons mais escuros. Lévêque, uma das autoras do estudo, destacou que os monges podem não ter sabido que as peles que utilizavam eram de focas, pois não existia um termo para esses animais na língua francesa da época.

A utilização generalizada de peles de focas em bibliotecas medievais desafia suposições anteriores sobre quais espécies eram usadas para encadernação. Revela ainda que a rede comercial entre os nórdicos na Groenlândia e as abadias na França era extensa e robusta. Contudo, não há correlação clara entre o conteúdo dos livros e o uso de capas de pele de foca, nem registros escritos que expliquem essa escolha, indicando que as capas eram valorizadas principalmente por suas qualidades estéticas e funcionais, como a impermeabilidade.